Por Aline Domiquille | Publicado em 25 de setembro de 2025
“É preciso sair da ilha para ver a ilha. Nós não nos vemos se não saímos de nós.” — José Saramago
Essa frase me lembra muito dois conceitos centrais da Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT): desfusão cognitiva e self como contexto (ou self observador).
Quando estamos “fundidos” com nossos pensamentos, é como se estivéssemos presos dentro da ilha. Tudo o que vemos é o que está ali, ao nosso redor, e começamos a acreditar que essa é toda a realidade possível. Nessa posição, nossos pensamentos soam como verdades absolutas: “Eu sou assim”, “Isso sempre acontece comigo”, “Não consigo lidar com isso”.
A desfusão cognitiva nos convida a dar um passo para fora — não para negar ou apagar o que pensamos, mas para ver os pensamentos como o que realmente são: palavras, imagens e interpretações que a nossa mente cria. É como olhar a ilha de longe e perceber que ela é apenas uma parte do mapa, e não o mapa inteiro.
Já o self observador é essa perspectiva mais ampla de quem observa, de quem vê a ilha e também o mar ao redor. É o espaço interno que não se confunde com rótulos ou histórias fixas sobre “quem eu sou”. Quando acessamos esse lugar, ganhamos liberdade para escolher nossas ações não com base no que a mente diz, mas no que é importante para nós.
Porque, no fim, sair da ilha — ainda que seja só por alguns instantes — nos dá a chance de enxergar possibilidades, caminhos e sentidos que, de dentro, talvez nunca perceberíamos.
Treinar isso não é “se livrar” de pensamentos ou sentimentos difíceis. É aprender a vê-los pelo que são, sem deixar que definam quem você é ou determinem para onde vai.
No fundo, todos carregamos nossas ilhas — histórias que a mente conta sobre quem somos, o que podemos ou não fazer, o que é possível para nós. Algumas são acolhedoras; outras, limitantes. Quando aprendemos a sair da ilha, ainda que por instantes, descobrimos que não somos o território, mas o viajante. E que há um mar inteiro de possibilidades esperando para ser explorado, se tivermos a coragem de olhar para nós mesmos de um lugar mais amplo, curioso e compassivo.
Aline Domiquille
Psicóloga clínica com 20 anos de experiência no atendimento a adultos, atuo com a Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT), promovendo autoconhecimento, presença e ação com propósito. Ofereço um espaço seguro para lidar com pensamentos, emoções e desafios com leveza e consciência. Atendimentos presenciais em Jundiaí/SP e online para todo o mundo