Por Aline Domiquille | Publicado em 22 de agosto de 2025
Vivemos tempos em que ser produtivo parece ter se tornado sinônimo de ser valioso. Cada minuto “bem aproveitado” é celebrado, enquanto o descanso, a pausa e o silêncio são vistos como desperdício. Essa lógica vem moldando não só nossas rotinas, mas também nossa forma de nos enxergar no mundo. E, aos poucos, o que deveria ser um meio — a produtividade — se transforma em fim. Uma exigência constante, invisível, mas implacável.
A ACT nos convida a olhar com mais gentileza para isso.
Em sua essência, essa abordagem não busca “consertar” sintomas, mas cultivar flexibilidade psicológica — a capacidade de estar presente, aberto às experiências internas (mesmo as difíceis) e agir de forma alinhada com o que realmente importa. Quando vivemos sob o domínio da hiperprodutividade, muitas vezes nos afastamos dessa bússola interna. Seguimos no modo automático, tentando dar conta de tudo, e perdendo de vista o que de fato tem sentido para nós.
A consequência é o cansaço. Mas não qualquer cansaço — é um cansaço da alma. Um esgotamento silencioso que vai se instalando quando vivemos para responder às demandas externas, sem espaço para simplesmente ser. Como descreve Byung-Chul Han, não estamos mais diante de uma sociedade disciplinar que nos proíbe; estamos diante de uma sociedade que nos impulsiona — e esse excesso de positividade, de exigência por desempenho, transforma as pessoas em empreendedoras de si mesmas, cobrando-se sem trégua. O resultado? Ansiedade, burnout, sensação crônica de inadequação.
Na clínica, é comum ouvir relatos de pessoas que se sentem culpadas por descansar, que têm dificuldade em se permitir fazer algo sem “utilidade”. Muitas vezes, quando investigamos juntos, percebemos que por trás desse funcionamento há histórias de validação condicional: “sou amado quando sou eficiente”, “só tenho valor se entrego resultado”. E com isso, vamos nos desconectando da vida que queremos viver, para tentar viver a vida que acreditamos que esperam de nós.
A ACT propõe uma virada: ao invés de lutar contra o cansaço ou tentar ser mais “eficiente emocionalmente”, podemos acolher o que sentimos como parte da experiência humana. Podemos pausar. Podemos nos perguntar: o que é importante para mim, agora? Podemos nos reconectar com valores como presença, cuidado, compaixão — inclusive conosco.
É claro que o mundo não para. As exigências continuam. Mas talvez possamos encontrar, mesmo dentro da correria, pequenos espaços de escolha consciente. Pequenos atos de liberdade. Como desligar o celular por uma hora. Como caminhar sem pressa. Como dizer “não” sem culpa. Como reconhecer que produtividade não é medida de valor humano.
Viver com base em valores, e não em exigências rígidas, é um caminho que nos permite respirar. E, sobretudo, viver — não apenas funcionar.
Aline Domiquille
Psicóloga clínica com 20 anos de experiência no atendimento a adultos, atuo com a Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT), promovendo autoconhecimento, presença e ação com propósito. Ofereço um espaço seguro para lidar com pensamentos, emoções e desafios com leveza e consciência. Atendimentos presenciais em Jundiaí/SP e online para todo o mundo